Unipop faz criticas em carta de repúdio sobre o recente caso de exploração sexual de adolescentes em presídio


No inicio da semana a sociedade paraense mais uma vez se vê abalada por outro escândalo envolvendo adolescentes que sofriam violência sexual em uma casa penal do estado. Buscando explicações, o Instituto Universidade Popular (Unipop) juntamente com o apoio de entidades ligadas a proteção dos direitos humanos e pela garantia dos direitos da Criança e do Adolescente, produziu uma Carta de Repúdio sobre os recentes acontecimentos. Na carta a Unipop faz sérias criticas sobre a atuação do estado e o coloca como principal responsável para que situações como essas não ocorram mais,  e exige que políticas públicas mais eficazes no combate a exploração sexual de crianças e adolescentes.


Abaixo a carta na íntegra:

Nós, do Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense, da Articulação de Mulheres Brasileira- AMB, Sociedade Paraense de Direitos Humanos- SDDH, MAMA, Rede Feminista de Saúde – Rede Saúde, União Brasileira de Mulheres UBM, Centro de Defesa da Criança e do Adolescente CEDECA/EMAÚS, e, outros parceiro@s da luta CONTRA A VIOLÊNCIA E PELOS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES que também assinam essa nota, compreendemos que a sociedade civil organizada tem o direito e a competência de, debater, propor e formular políticas que contribuam com os gestores na concretização de um novo modelo de Segurança Pública inclusiva para o Pará. E que também é nossa tarefa cotidiana o acompanhamento das situações de violação dos direitos das mulheres e meninas no nosso Estado.

Por isso, as instituições aqui representadas vêm a público externar seu repúdio diante da denúncia de violação de Direitos Humanos, estupro e exploração sexual vivenciada pelas adolescentes, dentro de instituição estatal de recolhimento de presos, a Colônia Agrícola Heleno Fragoso, em Americano/PA.

O Brasil assumiu as decisões das Conferências Internacionais da ONU, realizadas na década de 90, de fundamental importância para os direitos humanos das mulheres. Em especial, a Conferência Mundial dos Direitos Humanos de Viena (1993), a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento do Cairo (1994) e a Conferência Mundial sobre a Mulher – Beijing (1995), que especificaram os direitos de igualdade de gênero.

Foi em Viena que, pela primeira vez, se reconheceu expressamente que os direitos humanos das mulheres e meninas são parte integrante, indivisível e inalienável dos direitos humanos universais e que a violência de gênero é incompatível com a dignidade e o valor da pessoa humana.

Outros dois importantes tratados internacionais, que relacionam os temas de discriminação e violência contra as mulheres, num contexto de proteção especial são: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, ONU, 1979), ratificada pelo Brasil em 1.º de fevereiro de 1984, que garante a defesa em âmbito mundial; e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, OEA, 1994), ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995, que define os parâmetros nacionais para o problema.

Não se analisa, nem se dá solução aos contextos de violência urbana – violência estrutural pela precariedade das condições de vida, insuficiência de equipamentos e serviços públicos, interdições ao direito de ir e vir das mulheres no espaço da cidade, à presença da violência ligada ao tráfico e à violência policial nas cidades do Pará especialmente em Belém.

Assim, assistimos a violência relacionada ao tráfico de seres humanos, à exploração sexual de mulheres e meninas, cujo Brasil ocupa rankings vergonhosos; sobretudo a região Norte e Estado do Pará em particular, que convivem com a impunidade de políticos, juízes, milícias, e policiais envolvidos.

Entendemos que são graves e chocantes as denúncias do Conselho Tutelar de Belém, sobretudo em virtude de que o fato teria acontecido dentro de uma instituição pública e de responsabilidade do Estado. No entanto, não podemos deixar de nos posicionar quanto a uma questão que não se encerra no fato de que o crime teria acontecido porque não havia, na colônia agrícola, um muro de contenção para a entrada de pessoas; muito menos no fato de que a situação estaria resolvida apenas com a responsabilização (que é necessária) dos agentes e pessoas envolvidas.

Queremos dizer com isso, que infelizmente para além dos muros, ou da construção de um muro, o problema centra-se na violência sendo utilizada como instrumento de dominação dos homens sobre as mulheres – presente em nossas vidas; como realidade ou como ameaça e possibilidade constante através de humilhações, xingamentos, piadas agressivas, utilizando o medo, o constrangimento, agressão verbal, física e sexual, sempre que lhes parece necessário individualmente ou como grupo.

Queremos chamar atenção aqui para a responsabilidade e o compromisso político e social por parte do Estado do Pará em efetivar políticas públicas para as mulheres para erradicar todas as formas de violência, pois os últimos fatos envolvendo estas meninas estupradas dentro da Colônia Agrícola Heleno Fragoso vai contra todos os direitos humanos preconizados nas convenções internacionais acima referidas, em relação à violência contra as meninas e mulheres.

No caso dessas meninas que sofreram estupro em um espaço prisional do Pará nos perguntamos onde estavam os agentes de segurança pública que deveriam estar monitorando e exercendo a função para a qual são pagos pelo Estado. Também indagamos sob a função e monitoramento dos espaços prisionais e administração do setor de segurança do Pará, também nos perguntamos sob o abandono de finalidade da colônia agrícola. O fato é estarrecedor, pois a ação divulgada pelos meios de comunicação vai além da violação de direitos das adolescentes.

Mais lamentável ainda é sabermos que fatos da gravidade do acontecido, ocorrem corriqueiramente nas casas prisionais e fora delas – o que não exclui a responsabilidade do Estado. Alguns casos chegam ao conhecimento público, mas a maioria continua sob uma cortina de invisibilidade de sistemas de privilégios que são utilizados, sob as vistas do sistema de segurança pública.

A sociedade precisa acercar-se desta realidade, as organizações sociais devem também posicionar-se para não aceitarmos mais que “as rigorosas providências” aconteçam apenas quando acontece um fato dessa natureza. Até agora apenas a menor T foi ouvida pelos órgãos competentes, mas nos perguntamos de que maneira vem se dando esse processo de inquirição? Onde estão as outras meninas? Perguntamos e exigimos providência pela segurança dessas meninas, haja vista que crimes como esses envolvem diversos tipos criminosos e também possíveis responsabilizações de autoridades.

Essa barbárie torna a vida e segurança de meninas e mulheres em nosso estado uma precariedade e vulnerabilidade constantes como conseqüência da omissão do Estado.
A dignidade com suas características de inalienabilidade, imprescritibilidade e irrevogabilidade, exige, na perspectiva dos direitos humanos, eficácia imediata. Desta forma, o fato de alguém, em virtude da necessidade (qualquer que seja ela), dispor de sua dignidade não dá a ninguém o direito de viola-la ou aliená-la!

A violência contra a mulher enquadrada nesse fato que tomou as páginas dos jornais paraenses e nacionais, nos dois últimos dias, constitui-se na ponta do “iceberg” que é a omissão governamental em relação à violação dos direitos humanos que se agrava com a ausência de uma política eficaz de segurança pública.

Por isso, a perspectiva extra-muros não pode deixar de ser colocada como reflexão – construir o muro não resolve o problema – sobretudo porque o enfrentamento da violência e exploração sexual de crianças e adolescentes, não tem sido tratado pelo Estado Brasileiro, e, especialmente pelo Estado do Pará como Política Pública de Direitos Humanos prioritária.

Esse caso não só revela as múltiplas dimensões de violência de gênero, geracional, exclusão e negligência vivenciadas por milhares de adolescentes e crianças no Brasil – que já trazem em sua história de vida sucessivas negações e violações de direitos – como também revelam uma sociedade permissiva, omissa e reprodutora dessa violência.

A violência contra as mulheres deve ser compreendida em vários contextos, para além da esfera doméstica e familiar. No entanto ainda é comum os discursos e as práticas que justificam de várias formas a violência, muitas vezes responsabilizando as vítimas pela violência que sofrem. Prática essa comum nas instituições de segurança pública, como a polícia.

A exposição, a culpabilização da vítima, e a revitimização, tem sido a tônica dada para esse e outros casos semelhantes, exemplos inequívocos da forma como a sociedade e o estado demonstram o despreparo no enfrentamento da questão. As vítimas passam a ter sua imagem explorada pela mídia sensacionalista e extremamente lucrativa, são alvos de um juízo de valor sexista e permissivo, e álibi para brigas partidárias dentro do Estado.

Questiona-se em que momento se prioriza atenção integral às vítimas de violência? Que sentimento de segurança tudo isso traz? Neste momento, se desfaz a ilusão construída nos “muros que protegem” e “nos muros que separam”. Não são muros que definem uma situação de violência; mas antes são as pessoas e o contexto.

O Estado do Pará parece estar virando uma “terra sem lei e sem direitos”. Afinal qual a providência tomada pelo governo em relação à violência praticada contra uma mulher com sofrimento psíquico que foi agredida no mercado ver- o- peso no dia 07 de setembro? Qual a providencia em relação às 06 mulheres que estão na cela de uma Delegacia em Altamira? Quais as providências que o governo está tomando em relação aos inúmeros assassinatos de trabalhadores rurais, que já são inúmeros só no primeiro semestre deste ano? Qual a ação efetiva de consolidar as retaguardas necessárias para prevenir, coibir e responsabilizar essas inúmeras ações de violência no Estado? Quais as providencias tomadas para o alto índice de assassinatos de mulheres no estado do Pará?

O que o Governo estadual e o Judiciário tem feito em relação ao desmonte, desqualificação da Promotoria de Violência contra a Mulher, Vara da Violência contra a mulher, conquistas no enfrentamento da violência contra a mulher?
Queremos que as políticas públicas do qual o governo é responsável por efetivar funcionem. Os centros Maria do Pará; os abrigos para mulheres; as delegacias de atendimento às mulheres; a disponibilização dos recursos humanos e materiais para a atenção às meninas e mulheres em situação de violência; a punição dos agressores; as residências terapêuticas são apenas alguns dos dispositivos que têm que ser fortalecidos e efetivados para que os DIREITOS HUMANOS DE MENINAS E MULHERES seja um fato e ação real do Estado e não um factóide – não aceitamos que mais uma vez se coloque a “responsabilidade” dos fatos ocorridos em cima das vítimas!

PELA VIDA E DIREITOS DAS MULHERES…
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense- FMAP, Articulação de Mulheres Brasileiras- AMB /PA, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH, Grupo de Mulheres Brasileiras – GMB, Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos – Regional Pará, União Brasileira de Mulheres – UBM, Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – CEDECA/EMAÚS, Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará – GEMPAC, FASE- AMAZÔNIA, CEDENPA, Fórum Metropolitano de Reforma Urbana, RECID, Grupo de Mulheres do Tapanã, MAMEP, União Brasileira de Mulheres- UBM, GEPEM/UFPA – Observatório Regional Norte – Lei Maria da Penha, Maria Luzia Álvares- Professora UFPA, Instituto Nangetu de Tradição Afro-Religiosa, MOCAMBO, Associação AFRO-Religiosa e Cultural “ILÊ IYABA OMI” – ACIYOMI, Movimento de Luta Antimanicomial – MLA, UNIPOP, APACC, SODIREITOS.

Fonte: Unipop

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